Com rede social barrada pelo STF, Zé Trovão 'terceiriza' perfil e é eleito

 O caminhoneiro Marcos Antonio Pereira Gomes, o Zé Trovão, aproveitou a onda bolsonarista em Santa Catarina e conseguiu se eleger deputado federal no estado pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

O agora parlamentar eleito conquistou 71.140 votos mesmo sem ter uma única rede social, já que não pode criar perfis por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos.

Para driblar a determinação imposta pelo STF, Zé Trovão "terceirizou" a divulgação das suas campanhas nas redes sociais por meio de perfis criados por apoiadores no Facebook, Instagram e Twitter.

Os perfis usados por apoiadores estão registrados no cadastro do político no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mas a assessoria de comunicação do caminhoneiro informou ao UOL que Zé Trovão não tem gerência sobre as páginas.

Ele grava conteúdo e registra imagens, que posteriormente são publicadas por apoiadores nos referidos perfis.

"As redes sociais dele estão bloqueadas, mas como estava em campanha, poderia usar de apoiadores, que gostam do trabalho dele. Ele acabou usando (a dos fãs) até para não ir contra determinação do STF", informou ao UOL.

A prática usada por Zé Trovão na campanha é a mesma adotada antes do período eleitoral. Quando anunciou a sua candidatura ao pleito, por exemplo, ele gravou um vídeo e publicou em canais de terceiros no Telegram.

Agora eleito deputado federal, se valeu do mesmo artifício para agradecer aos seus adeptos catarinenses.

"Eu vim agradecer aos mais de 70 mil votos em Santa Catarina. É uma honra e uma gratidão eterna a cada um dos senhores e senhoras que acreditaram no meu trabalho.

Vamos trabalhar para que Santa Catarina seja um estado cada vez maior", disse Zé Trovão após a vitória, em um vídeo publicado nos perfis dos apoiadores.

Eleito com tornozeleira eletrônica

Um acessório incomum costuma aparecer em fotos publicadas por apoiadores do Zé Trovão nas redes sociais: a tornozeleira eletrônica. Ele usa o instrumento desde fevereiro de 2022, quando o ministro Alexandre de Moraes revogou a prisão domiciliar imposta no inquérito.

Apesar disso, Zé Trovão não costumava escondê-la ao longo da campanha. Em algumas imagens ele chega a se exibir com a tornozeleira na perna direita como se fosse um símbolo de resistência contra o judiciário.

Em nota, o advogado Elias Assad disse que vai pedir a flexibilização da medida ao STF em razão do "fato novo" obtido através da eleição.

"Após árdua discussão jurídica, apresentação, prisão domiciliar e liberdade para transitar pelo estado de Santa Catarina e, por estar com seus direitos políticos íntegros, foi registrada sua candidatura e eleito como deputado federal pelo estado de Santa Catarina. O próximo passo, no âmbito jurídico, será comunicar oficialmente o STF da superveniência deste fato novo, objetivando a abolição ou, ao menos, a flexibilização das medidas, em respeito à vontade popular, consagrada nas urnas", disse.

Caminhoneiro, diesel foi deixado de lado

Caminhoneiro, Zé Trovão falou pouco sobre a categoria por meio das redes de apoiadores, apesar de registrar vários encontros com motoristas no interior de Santa Catarina.

O preço do diesel, por exemplo, não passou pelas publicações. O valor praticado pela Petrobras era uma de suas bandeiras antes da campanha.

O que Zé Trovão acabou intensificando foi o discurso conservador e pró-armas. Em um vídeo publicado em 17 de setembro na rede criada por apoiadores no Twitter, ele defende a pauta.

"Povo desarmado é um povo escravizado. Eles querem nos escravizar. Isso faz parte de um conluio. Eu tenho uma péssima notícia para dar a todos. O Zé Trovão está chegando agora para botar ordem na casa. A liberdade do povo brasileiro vocês não vão tirar, não. A não ser que vocês me matem", afirmou.

Alvo do judiciário, Zé Trovão também defendeu os empresários que compartilharam mensagens pró-golpe de estado em um grupo de WhatsApp. Na ocasião, ele elogiou a subprocuradora-geral Lindora Araújo, que opinou contra a operação dos empresários bolsonaristas.

"Uma parte do judiciário e das pessoas entendem que não podemos sair por aí mandando prender as pessoas pelo o que elas falam. O Brasil não pode seguir esses rumos, é um caminho sem volta. Meia dúzia de pessoas querem tirar a estabilidade do Brasil", declarou.

De youtuber a investigado

Nascido em São Paulo, Zé Trovão, de 34 anos, ganhou notoriedade em março de 2021, com a criação do canal "Zé Trovão, a Voz das Estradas", no Youtube. Os vídeos eram pautados pelo conservadorismo e protestavam contra o aumento do diesel, o que o fez se apresentar como um dos líderes dos caminhoneiros, apesar de parte da categoria refutá-lo como porta-voz.

O canal, que chegou a ter 40 mil seguidores, também se tornou popular por ter 20 mil assinantes no Telegram. Mas em 29 de agosto de 2021, tornou-se alvo de uma investigação da Procuradoria-Geral da União, e sua prisão preventiva foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, em 3 de setembro, por envolvimento em atos antidemocráticos no ano anterior.

Zé Trovão permaneceu foragido no exterior até 26 de outubro, quando se entregou na sede da Superintendência da Polícia Federal, em Joinville, cidade onde vive. Em 17 de dezembro, Moraes concedeu a prisão domiciliar, decisão agora revogada em fevereiro de 2022.

Na campanha, Zé Trovão recebeu R$ 513.898,14, sendo R$ 500 mil do PL. O restante foi da campanha de Jorginho Mello (PL), candidato ao governo de Santa Catarina que disputa o segundo turno contra Décio Lima (PT).